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Crianças e animais

As crianças gostam de amigos especiais... Nós próprios os conhecemos bem porque houve um tempo em que os amámos e admirámos: seres estranhos, muito grandes às vezes ou muito pequeninos, gigantes, diminutos, fadas, génios, porquinhos, ratinhos que deixam prendas debaixo da almofada, criaturas que aparecem miraculosamente quando existe perigo e é preciso salvar a princesa... Neste universo de criaturas infantis, os animas ocupam um lugar principal e destacado. 

5min ler Jan 25, 2017

Os animais como meio para descobrir e compreender o estranho mundo dos adultos

Freud destacou a especial relação que existe entre crianças e animais, que se   caracteriza pelo facto de que, na infância, ainda não somos suficientemente vaidosos para separar a nossa natureza da natureza animal. Freud concluiu que "as crianças consideram aos animais como seus iguais".

Numerosos estudos provam que os animais contribuem ativamente para a segurança afetiva das crianças. Por exemplo, quando uma criança faz uma carícia a um cão, o seu ritmo cardíaco e a sua pressão arterial diminuem significativamente. Por seu lado, os animais possuem certas qualidades que não possuem os humanos: não julgam, não refletem as dificuldades pessoais ou familiares, não traem, etc. Graças a isso, a criança sente-se segura e é capaz de libertar as suas emoções e de dar-lhes uma estrutura. Deste modo, os animais transformam-se nos depositários das suas alegrias, medos,  aborrecimentos, surpresas e desagrados. Além disso, por meio desse contato a criança revela o seu estado emocional (inquietação, angústia, frustração, ciúmes, recordações, etc.) e passa a ser capaz de desenvolver competências superiores (ou seja, as competências básicas): atenção visual, impulsos e interação, comportamentos afetivos, capacidade de mimese e, por último, a articulação estruturada e intencional dos gestos.

Um bom exemplo é o do desenvolvimento da capacidade visual, ou seja, da capacidade de fixar o olhar num objeto. Esta capacidade manifesta-se nos bebés aos poucos dias ou semanas de vida após a interação com o rosto da mãe. A maioria das crianças fica fascinada e sente curiosidade pelo que os animais transmitem com o olhar. Deitados de barriga para baixo, sentados, de joelhos, procuram uma interação próxima, cara a cara. Kipling ressaltou esta atitude infantil no seu livro quando os lobos encontraram Mowgli e ele "levanta o seu olhar para olhar o rosto do papá Lobo" sem medos nem temores. Este tipo de encontros facilita e reforça o desenvolvimento da atenção visual das crianças. Os animais podem representar um papel decisivo na libertação do mundo interior das crianças e, por esse motivo, são muito úteis no acompanhamento de crianças com problemas graves.

 

O medo do lobo

Desde a infância e até sermos adultos os animais acompanham-nos. Desde as fábulas de La Fontaine até à Quinta dos Animais de Orwell, passando pelo Principezinho de Saint-Exupéry, os animais ajudam-nos e são-nos úteis. Aliás, em ocasiões utilizamos expressões do tipo "bichinho" para nos referirmos aos nossos próprios filhos.

Esta relação está cheia de estórias agradáveis. Por exemplo, no mito da fundação da cidade de Roma, os gémeos Rómulo e Remo foram amamentados por uma loba e um pássaro pica-pau. O nome, Roma, provém do termo "ruma" que significa "mamã". No "O livro da selva" Kipling narra as aventuras de Mowgli, um bebé salvo e criado pelos lobos na Índia e a quem o papá Lobo (com a ajuda da pantera negra Bagheera e de Baloo, o urso-pardo que ensina a todos os pequenos a Lei da selva) mostra como fazer as tarefas necessárias e o sentido de todas as coisas da selva.

 

Os génios animais que protegem aos recém-nascidos

Os latinos chamavam Genius ao deus a quem se confiava a proteção de cada pessoa no instante do seu nascimento. Em algumas civilizações, este génio pode ser um animal. Os índios de Mesoamérica, particularmente os Mixtecos do México, possuem uma espécie de duplo, que se corresponde com um animal, ao que chamam "nagual" e que aparece em numerosos ritos relacionados com o nascimento. Os aldeões de San Pedro Yosotatu contam que antigamente se identificava ao "nagual" do bebé recém-nascido através do exame das pisadas que os animais deixavam ao passar pela cal espalhada à volta da casa ou perto da porta. Nalgumas aldeias, até se deixava  a criança exposta na floresta. Deitava-se areia à volta dela e a seguir era abandonada durante várias horas, às vezes durante toda a noite, para que o animal a ajudasse e lhe oferecesse a sua proteção. Mais tarde voltavam para levar a criança e para observar qual era o animal que tinha deixado as suas pisadas na areia: desse modo decidiam o nome do recém-nascido. Desde esse momento, a criança dependia do seu "nagual" e o seu "nagual" dependia igualmente da criança. Por exemplo, se o "nagual" ficasse ferido, a pessoa adoecia. Definitivamente, a relação entre crianças e animais vem de muito longe.

 

De um tipo de génio a um outro

Na atualidade, todos estes ritos e crenças são muito menos radicais, porém, a magia continua presente no universo das crianças, um universo cheio de animais, reais ou imaginários, e de peluches. Aliás, ver uma criança a brincar dentro do cesto da roupa suja ou rir às gargalhas no interior do roupeiro enche-nos de felicidade. Nesses momentos, ele é o génio da sua gruta.