Quando uma família decide iniciar o projeto de parentalidade tem na maioria das vezes como exemplo a forma como foi educada, ou seja, a parentalidade tradicional, com os seus valores clássicos. A nossa própria infância e as nossas expectativas, influenciam a nossa parentalidade.
O início do caminho percorrido com a intenção de uma parentalidade consciente é em si um processo de transformação dos pais, deixam a “pele” dos ensinamentos que receberam, as suas crenças, hábitos e comportamentos, e ousam olhar para os seus filhos sob um olhar novo.
A parentalidade consciente tem como matriz uma forma de orientar/educar a família, vista por um prisma que enaltece e coloca em primeiro lugar o relacionamento, empatia e amor entre pais e filhos. Nessa relação parental, os pais e os filhos podem ser autênticos e verdadeiros, nesse espaço familiar há lugar para o amor, aceitação, merecimento, conexão e pertença. O amor incondicional, a forma de manifestar esse amor e de nos relacionarmos com os nossos filhos está no foco central da parentalidade. Desta forma, a autoestima dos filhos será fortalecida.
“Uma autoestima saudável é o sistema imunitário social das crianças” – Mikaela Õvén
Idealmente antes da criança nascer, os pais devem conversar sobre quais as suas intenções na parentalidade. Ou seja, que tipo de mãe e pai é que gostariam de ser, que valores gostaria de transmitir ao seu filho que está a caminho, e na dificuldade, como será adequado reagir e de que forma se deve orientar a parentalidade. A união entre dois seres humanos que decidem partilhar um projeto de família, devia compreender um tempo de reflexão e alinhamento das suas intenções com os seus valores, uma espécie de compromisso que assenta na reflexão e questionamento sobre a parentalidade. Claro que essas intenções podem ser ajustadas posteriormente, mas esse pacto deveria ser escrito. Em si, já me parece um exercício de busca de um sentido de família. Será como um mapa, ou bussola, que irá orientar a parentalidade que o futuro próximo trará como presente. Estas intenções devem ser ancoradas no amor incondicional.
A Parentalidade Consciente tem princípios que são transversais a todos os cenários da nossa vida, pessoal, familiar, profissional ou social, bem entendidos, permitem viver de coração aberto os nossos relacionamentos, que são:
- Igual Valor – adultos e crianças têm a mesma possibilidade de exprimir os seus pensamentos, sentimentos, necessidades e desejos, o diálogo está aberto, assente no respeito mútuo e não no estatuto hierárquico.
- Respeito pela Integridade – a integridade engloba tudo o que somos do ponto de vista físico e psicológico. Dizer “não” a um filho não fere a sua integridade. Mas os castigos ou penalizações podem reduzir o sentido de amor próprio.
- Autenticidade – O valor essencial para que todas as crianças possam ter a liberdade de ser quem realmente são. Que não sejam apenas um ser moldado ao gosto, desejo ou expectativa do adulto que o está a ajudar a crescer. Queremos que as nossas crianças sejam fiéis a si mesmas. Que sintam que merecem pertencer à família, precisamente pelo que são.
- Responsabilidade pessoal – todos somos responsáveis pelo que pensamos, sentimos ou desejamos. Devemos deixar as crianças e jovens assumirem esse mesmo poder pessoal. O excesso de controlo, transmite a mensagem de que não confiamos na criança ou jovem, fomenta a insegurança e a ideação de incapacidade. Desde tenra idade (sendo as tarefas adequadas ao grupo etário), devemos confiar na criança quanto à sua fome, capacidade de decisão sobre o quer vestir ou como vai arrumar os brinquedos, entre outras tarefas.
Com uma parentalidade consciente as crianças vivem num ambiente em que se sentem vistas, amadas, em conexão e pertença. Estes princípios reforçam a autoestima, que considero ser fundamental para as relações de amizade e sociedade edificadas no respeito e verdade, onde os limites pessoais são bem definidos.
Por vezes confunde-se parentalidade consciente com permissividade, facto que não se confirma. Os pais estabelecem os seus limites e mostram aos seus filhos, sem margem para dúvidas. O “não” é dito com amor, conforto e suporte.
O comportamento da criança revela as suas necessidades e emoções, não se pretende corrigir o comportamento, mas sim, assistir sempre que possível, às suas necessidades e compreender as suas emoções.
Os filhos devem sentir que pelas pessoas que são, merecem todo o amor dos pais. Têm obviamente imperfeiçoes e fragilidades, contudo, pelo amor profundo por si mesmas, podem ser quem são, sem medo ou vergonha de se mostrar ao mundo. Essa semente que os pais plantam no coração dos filhos e lhe evoca um valor próprio inesgotável, existe sempre dentro de si. Não deve ser procurado na validação externa. Não devem sentir medo ou vergonha pelos seus pensamentos ou atitudes serem diferentes. Nesse amor próprio reside a fonte da resiliência para enfrentar as dificuldades da vida.
“A compaixão e a conexão – precisamente as coisas que dão propósito e significado às nossas vidas – só podem ser aprendidas se forem vivenciadas, é na família que são primeiramente vivenciadas.” – Brené Brown.
Um discípulo é alguém que sente inspirado e deseja seguir o seu líder por admiração, e não por medo, vergonha ou culpa. Na parentalidade consciente é privilegiada a comunicação consciente, com respeito, sem julgamento e com compaixão.
Os pais devem cuidar de si, o seu bem-estar é fundamental para que possam estar em plenitude com os seus filhos o com a sua mente tranquila para viverem e desfrutarem de uma parentalidade consciente na maior parte do tempo. Portanto o autocuidado parental deve ser fomentado.
Enquanto pais um dos momentos de maior vulnerabilidade é ver os nossos filhos enfrentar dificuldades, a tendência natural, será de os tentar ajudar ou até mesmo, de os “salvar” desse sofrimento. Ora esse confronto com a adversidade será essencial ao crescimento e à aprendizagem que necessitam fazer ao longo da vida, poderá até ser prejudicial tentar poupá-los ao seu caminho. Uma parentalidade onde os limites de cada um dos elementos da família são conhecidos, contem o apoio na adversidade, sem seguir por atalhos, alimenta o amor próprio consistente, a resiliência e a esperança perante as dificuldades. Fornece suporte no caminho, sempre e sobretudo nos desvios dolorosos do percurso.
Pediatra Marisol Anselmo
Pediatra com a sub especialidade em Neonatologista a trabalhar no Hospital Particular do Algarve e Clinica Health Secret em Almancil. Tem Formação em Homeopatia e é Facilitadora de Parentalidade Consciente.